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Há 15 anos em vigor, legislação contribui para a preservação dos direitos das mulheres e para a proteção das vítimas

A progressiva quebra do silêncio das mulheres em situação de violência doméstica e a ampliação da proteção às vítimas por meio da sanção de novas leis e normas que garantem os direitos femininos frente a um cenário de violência familiar. Esses são, na visão da farmacêutica bioquímica Maria da Penha Maia Fernandes, que batiza a Lei 11.340 , alguns dos avanços trazidos com a legislação sancionada em 2006 para coibir a violência contra a mulher no Brasil. Neste sábado (7/8), a Lei Maria da Penha completa 15 anos, com resultados a serem comemorados, mas ainda com muitos desafios à frente.

Os números registrados em Minas Gerais mostram que a legislação pode ter trazido avanços, mas as medidas e ações adotadas até agora foram incapazes de garantir o fim da violência doméstica no País. Em 2019, o Judiciário estadual concedeu 32.007 medidas protetivas, que são as ordens judiciais que visam proteger a mulher em situação de risco, perigo ou vulnerabilidade. Em 2020, esse número subiu para 32.909. Segundo o Centro de Informações para a Gestão Institucional (Ceinfo), ligado à Secretaria Executiva de Planejamento e Qualidade na Gestão Institucional (Seplag), do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, apenas de janeiro a abril deste ano, já foram concedidas 12.017 medidas.

Feminicídios

O número de feminicídios, termo usado para denominar os assassinatos cometidos em razão do gênero, também é alarmante. Dados apurados pelo TJMG, mostram que, em 2019, foram distribuídos 202 processos referentes a feminicídio no Estado. Em 2020, esse número chegou a 499. Em janeiro deste ano, foram 29 feitos distribuídos com essa temática. Desde 2015, data da chamada Lei do Feminicídio – a Lei 13.104 – a pena para esse tipo de crime é maior. Ou seja, assassinar uma mulher em razão do gênero se tornou uma qualificadora para os crimes de homicídio no País. Além disso, o feminicídio foi incluído no rol dos crimes hediondos.

A Lei 11.340 foi batizada com o nome da farmacêutica bioquímica Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência e símbolo da luta pelo direito das mulheres (Crédito: Instituto Maria da Penha)

Os dados no cenário nacional são igualmente alarmantes. Um levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Instituto de Pesquisas Datafolha também revela um cotidiano de violência, muitas vezes vivenciado em silêncio pelas mulheres brasileiras. A pesquisa “A Vitimização de Mulheres no Brasil – 3ª edição” foi realizada em maio deste ano. Foram feitas 2.079 entrevistas, das quais 1.093 foram respondidas por mulheres.

Agressão

O relatório apontou que uma em cada quatro mulheres acima de 16 anos afirma ter sofrido algum tipo de violência ou agressão nos últimos 12 meses (contados a partir de maio de 2021), durante a pandemia de covid-19. Isso significa dizer que cerca de 17 milhões de mulheres sofreram violência física, psicológica ou sexual no último ano. A cada minuto, 8 mulheres apanharam no Brasil durante o período de pandemia, ou seja, 4,3 milhões de mulheres foram agredidas com tapas, socos ou chutes. A violência física, contudo, não foi o tipo mais comum de violência identificada. A agressão verbal, com insultos e xingamentos, foi o relato mais frequente, atingindo 13 milhões de brasileiras.

Relatório divulgado em 2021 mostrou que cerca de 17 milhões de brasileiras sofreram violência física, psicológica ou sexual no último ano (Imagem ilustrativa)

Mas a violência física também teve um número expressivo. Cerca de 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento. E, como um sinal de alerta que talvez explique os índices de feminicídio no país: aproximadamente 45% das mulheres não fizeram nada em relação à agressão mais grave sofrida. “As mulheres sofreram mais violência dentro da própria casa e os autores são pessoas conhecidas, o que concede um alto grau de complexidade ao enfrentamento da violência de gênero, no que se refere à proteção da vítima, punição do agressor e medidas de prevenção”, conclui o relatório.

A desembargadora Ana Paula Caixeta, da Comsiv, afirma que o TJMG tem trabalhado para garantir a efetividade da Lei Maria da Penha (Crédito: Mirna de Moura)

Os pesquisadores também concluíram que a crise sanitária só tornou o enfrentamento da violência contra a mulher ainda mais difícil: mulheres convivendo mais tempo com seus agressores, perda de renda familiar, aumento das tensões em casa, maior isolamento da mulher e consequente distanciamento de uma potencial rede de proteção.

Avanços

“Temos muito a celebrar, mas ainda há um caminho a ser percorrido. Desde a sua criação, a aplicação da Lei Maria da Penha é desconhecida no interior do País. Também não podemos nos esquecer de que, no contexto de atendimento à mulher em situação de violência, é preciso que a eficiência e a eficácia da lei estejam envolvidas em um dinâmica de política pública. Essa política precisa ser efetiva, célere, estratégica e ampliada, por meio de um conjunto de ações da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, bem como de Organizações Não-Governamentais, como determina a lei”, defende Maria da Penha.

A farmacêutica bioquímica, que deu nome à lei em razão de sua luta pessoal contra a violência doméstica, acredita que é preciso que o respeito à mulher e aos seus direitos seja incluído no currículo escolar. “Precisamos de mudanças educacionais e culturais, nas estruturas mais profundas do nosso comportamento, para que prossigamos rumo a uma sociedade sem preconceitos, justa, livre e igualitária”, disse.

Maria da Penha defende ainda a implantação, em cada município, como hoje ocorre com os conselhos tutelares, de centros de referência da mulher, que funcionariam dentro das unidades de saúde. “Também precisamos criar uma política pública que contemple os órfãos da violência doméstica no país, de forma que sejam identificados e localizados”, afirmou.

Marco histórico

A superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar ( Comsiv ) do TJMG, desembargadora Ana Paula Caixeta, acredita que a Lei Maria da Penha é um marco histórico legislativo na prevenção e no combate à violência contra a mulher. “Ao longo desses 15 anos, ela tem sido aplicada e amadurecida. Essa legislação também tem sido discutida e trabalhada, de forma que possa alcançar efetividade cada vez maior”, destacou.

Para a desembargadora, a violência doméstica e familiar é uma questão estrutural, enraizada na sociedade. “É um problema que sempre teremos. Por isso, exige políticas públicas efetivas, que vêm passando por amadurecimento no Brasil. Prevenir e combater esse tipo de crime também depende de uma mudança de comportamento, por parte do agressor e da sociedade, sobre a forma de enxergar a mulher”, diz.

Cerca de 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento, segundo a 3ª edição da pesquisa A Vitimização de Mulheres no Brasil (Crédito: Marcelo Albert)

A desembargadora Ana Paula Caixeta ressalta a necessidade de que as instituições trabalhem de forma articulada. “O Tribunal de Justiça é o destinatário de todas as portas de entrada da vítima, seja um posto de saúde, uma delegacia, um hospital, ações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou de advogados. Por isso, temos empreendido esforços para que o Judiciário se estruture cada vez mais para garantir a aplicação da lei e a prevenção de casos.” A magistrada destaca ainda a importância da divulgação dos diversos canais de denúncia, que são seguros e sigilosos, e que integram a importante rede de enfrentamento que vem se consolidando desde a sanção da lei.

Na luta contra a violência doméstica e familiar, a magistrada defende a importância do investimento na capacitação emancipatória das mulheres, tanto do ponto de vista emocional quanto profissional, de forma que sejam capazes de romper ou nem mesmo entrar no ciclo da violência.

Direitos humanos

A superintendente adjunta da Comsiv, desembargadora Paula Cunha e Silva, explica que a Lei Maria da Penha foi necessária diante dos dados comprovando a violência sofrida pela mulher brasileira no cotidiano. “Essa lei assegura os direitos humanos, bem como o que prevê a Constituição Federal e os tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário”, lembra a magistrada.

Para a desembargadora Paula Cunha e Silva, não há igualdade se o problema da violência doméstica não for devidamente enfrentado (Crédito: Cecília Pederzoli)

Para ela, a legislação brasileira que trata da violência contra a mulher foi necessária para garantir o princípio da igualdade, resguardado pela Constituição Federal. “Não há igualdade se o problema da violência doméstica não for devidamente enfrentado. Também considero que a Lei Maria da Penha é uma importante ferramenta para acabar com a discriminação e a opressão historicamente construídas em face das mulheres, para o enfrentamento da violência contra essas vítimas e para a proteção desse grupo vulnerável”, afirma.

Igualdade

A superintendente adjunta da Comsiv acredita que a Lei 11.340 também proporcionou avanços processuais, pois incentivou o aperfeiçoamento do julgador. “Ele foi sensibilizado para o julgamento desses casos, a partir de uma perspectiva de gênero, a fim de assegurar a igualdade entre vítima e agressor.” Ela afirma ainda que, entre os mecanismos e inovações criados pela lei de 2006, estão as medidas protetivas de urgência, que se mostram ferramentas imprescindíveis e efetivas no combate à violência contra a mulher.

Para a desembargadora Paula Cunha e Silva, os 15 anos da lei trazem, como avanços, o enfoque interdisciplinar aos casos de violência de gênero, com incentivo a pesquisas, campanhas educativas, trabalho articulado de uma rede de enfrentamento e capacitação sobre o tema. “Todas essas ações têm o objetivo de prevenir a continuidade do ciclo de violência contra a mulher. Embora ainda existam muitos desafios, caminhamos bastante na efetividade da Lei Maria da Penha, na adoção de políticas públicas, na formação de profissionais e na proteção das mulheres que se encontram nessa situação”, conclui.

Retrospectiva

A presidente do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar (Fonavid), juíza Bárbara Livio, que é magistrada na 2ª Vara Cível da Comarca de Teófilo Otoni, acredita que, para entender a amplitude da Lei Maria da Penha, é preciso fazer uma retrospectiva histórica do tratamento que a violência doméstica recebia no país. “A lei surgiu a partir da condenação brasileira pela Organização dos Estados Americanos (OEA), por meio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 2001, no caso da farmacêutica bioquímica Maria da Penha”, lembra a magistrada.

A partir da Lei Maria da Penha, várias outras normas surgiram nos últimos 15 anos, ampliando a rede de proteção para as mulheres vítimas de violência (Crédito: Instituto Maria da Penha)

Assim, para a juíza, a Lei Maria da Penha é um marco importante, porque a violência contra a mulher é uma agenda pública que traz preocupação a todas as instituições e organizações. “Os dados são um retrato dolorido da realidade que trabalhamos para mudar. Em 2020, foram registrados 1.350 feminicídios no País. Cerca de 75% das vítimas tinham entre 18 e 44 anos. E quase 62% dessas mulheres eram negras”, destaca a magistrada.

Esforço

A juíza ressalta as iniciativas do Judiciário mineiro para melhorar esse cenário. Entre as medidas, ela lembra do esforço concentrado dos magistrados do Estado, por meio de ação conjunta da Comsiv e da Corregedoria-Geral de Justiça, para julgar os processos de violência doméstica e familiar que estavam prontos para julgamento. “São as ações do poder público para garantir uma rápida solução para esses casos”, diz.

Entre os méritos da lei, a juíza do Fonavid acredita que está o fato de que, atualmente, mais mulheres acreditam no Estado e sabem que não estão sozinhas. Além disso, a lei também avança ao reconhecer que a violência contra a mulher não se limita à agressão física. “Quantas das nossas mulheres não sofrem xingamentos, humilhações e desqualificação? E a Lei Maria da Penha enxerga essa mulher de uma maneira ampla, e impõe obrigações ao Estado. Precisamos trabalhar em rede, porque é dever do Estado dar atendimento integral às mulheres.”

Emancipação

A juíza Bárbara Lívio também acredita que a lei se mostrou essencial e até revolucionária ao tratar de um tipo de violência que acontece especificamente em razão do gênero da vítima. “O preconceito e a violência contra a mulher são antigos e perpassam diversas culturas. Então, a lei tem o grande mérito de ir além da punição do agressor, ao promover direitos e emancipar a mulher”, opina.

A juíza Bárbara Lívio, do Fonavid, destaca a importância do Formulário Nacional de Avaliação de Risco, um dos desdobramentos da Lei Maria da Penha (Crédito: Riva Moreira)

Para a magistrada, umas das medidas mais significativas dos últimos tempos, o que também é um desdobramento da Lei Maria da Penha, foi a criação do Formulário Nacional de Avaliação de Risco no âmbito do Poder Judiciário e do Ministério Público, instituído por meio da Resolução Conjunta nº 5 , de março de 2020, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). “Este ano, essa resolução foi convertida em lei. Trata-se da Lei 14.149 , sancionada em maio de 2021, que torna a aplicação do formulário obrigatória e uniforme no território nacional”, explica.

Risco

O questionário, aplicado no atendimento às mulheres que vivem em um contexto de violência doméstica e familiar, permitirá a classificação de três níveis de gravidade de risco – baixo, médio e elevado – mediante a avaliação das condições das vítimas. Por meio de 27 questões, o formulário mapeia a situação da vítima, do agressor e do histórico de violência, indicando a possibilidade de nova agressão ou de feminicídio, e permitindo a elaboração de um plano de segurança e apoio. “O formulário é um instrumento para gerirmos o risco de o caso se converter em um feminicídio. Precisamos lembrar que o assassinato de uma mulher nunca é o primeiro ato de violência”, diz.

Pesquisa realizada, em maio deste ano, revelou que 45% das mulheres agredidas nos últimos 12 meses não pediram ajuda ou denunciaram os agressores (Crédito: Cecília Pederzoli)

Entre os desafios a serem enfrentados, a juíza destaca a criação de políticas públicas que integrem todos os poderes e todas as instituições públicas e não-governamentais, de forma a prevenir os atos de violência.

A lei

A Lei Maria da Penha prevê cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. Segundo um dos seus artigos, a violência praticada contra as mulheres é uma das formas de violação dos direitos humanos. A lei trata não apenas da punição aos agressores, mas aponta em seu texto para a necessidade de criação de políticas públicas de prevenção, assistência e proteção; a instituição dos juizados de violência doméstica; as medidas protetivas de urgência; e a promoção de programas educacionais. De forma abrangente, essa legislação cria mecanismos de proteção e assume que a violência de gênero é uma responsabilidade do Estado e não apenas uma questão familiar.

Assessoria de Comunicação Institucional – Ascom

Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG
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