Compatilhe esta publicação: Twitter Facebook Google+

Os produtores rurais Onésio Leite da Silva (São Roque de Minas), José Baltazar da Silva (Serra do Salitre) e Eurico Tarôco (São João del-Rei) são pessoas simples, de regiões distintas e que carregam cada um a sua história. No entanto, os três estão unidos por pertencerem à elite da fabricação do Queijo Minas Artesanal (QMA), produto imprescindível à boa mesa.

O desejo de cresce e ir mais adiante é outra semelhança que une os três produtores. Eles são unânimes em afirmar que esperam manter ou melhorar a qualidade da principal fonte de sustento das suas famílias.

Em uma pequena propriedade localizada a dois quilômetros da cidade de São Roque de Minas (320 km de Belo Horizonte), Onésio Leite da Silva trabalha com queijo desde os 12 anos de idade. Hoje ele tem 53.

Com a ajuda da mulher e da filha, ele produz 30 queijos por dia e reconhece o apoio dos órgãos estaduais como imprescindíveis à melhoria do produto ao longo dos anos, bem como para a visibilidade do queijo da Serra da Canastra.

Atualmente a propriedade tem 39 vacas, que começam a passar pela ordenha ao amanhecer. “O segredo é muito capricho, carinho e seriedade. A higiene é outro ponto observado, pois a gente demora a fazer o nome, e se não tiver todo cuidado, a gente perde esse nome”, revela Onésio.

O produtor dá um exemplo do zelo que é necessário para a atividade: se alguma vaca precisa de antibiótico, todo o leite dela é descartado durante o tempo recomendado para que não interfira na qualidade do queijo.

Onésio diz que o queijo fica na sua melhor condição com 22 dias de maturação, tempo que considera ideal para transportar para Belo Horizonte, São Paulo e Rio Grande do Sul.

Em São Roque de Minas, o queijo não vai a ponto comercial, mas pode ser adquirido pelo turista na porta da propriedade. Neste ano, o queijo do Onésio, como é conhecido, foi bronze na 11ª edição do Concurso Estadual do Queijo Minas Artesanal.

No pequeno município de Serra do Salitre, a 368 km da capital mineira, o queijo é produto tradicional e chama a atenção pela qualidade. São muitos produtores que fazem daquele lugar um dos mais atraentes para os apreciadores da iguaria.

José Baltazar da Silva, de 60 anos, começou a trabalhar com o derivado do leite há mais de 20 anos. Pouco tempo depois decidiu parar de produzir queijo e investir em café, produto que também gosta daquelas terras.

Baltazar trabalhava com o café enfrentando altos e baixos daquela cultura até que sofreu um acidente e resolveu abandonar a atividade poucos anos depois. O acaso foi determinante para a reviravolta na sua vida.

“Com o apoio da minha esposa, voltei a produzir o queijo em 2004. Tinha pouca renda, mas precisei juntar dinheiro para a atividade e procurei assistência técnica da Emater. Em pouco tempo os projetos foram saindo do papel: primeiro a construção do curral, depois o barracão para ordenha e, posteriormente, a queijaria”, revela Baltazar.

Com a capacitação da Emater-MG, regularização e certificação do IMA, a atividade na propriedade de Baltazar cresceu para 80kg/dia e os queijos foram ganhando qualidade e fama.

Como autêntico mineiro, com seu jeito simples, o produtor vem colecionando títulos pela qualidade do queijo que produz. Recentemente, no 11° Concurso Estadual de Queijos Artesanais, em São Roque de Minas, ele faturou a medalha Super Ouro, quando foi homenageado pelo governador Fernando Pimentel.

Campo das Vertentes

A cinco quilômetros da histórica São João del-Rei (185 km de Belo Horizonte), no Campo das Vertentes, descendentes de italianos fundaram a Colônia Viva, um projeto de agroturismo que congrega 10 estabelecimentos diversos, entre eles a Queijaria Tarôco, que se destaca pela qualidade do produto e hospitalidade.

A produção do queijo artesanal era apenas para consumo próprio de uma família que está na quinta geração de italianos que desembarcaram no Brasil em 1888 para trabalhar na agricultura.

Nos últimos quatro anos, por estímulo de outra queijaria local, a família Tarôco decidiu profissionalizar a atividade, que se transformou em importante fonte de renda.

Com apoio da Seapa, Emater, Epamig e IMA, a atividade prosperou rapidamente e ganhou visibilidade. No início eram dez queijos ao dia, hoje 22, número considerado suficiente para a família manter a qualidade.

A fabricação do queijo fica por conta da dona Trindade, mulher de Eurico Tarôco, neto de italianos. Os dois têm três filhos, um deles engenheiro que trabalhou no projeto da queijaria e depois se mudou por questões profissionais.

O negócio foi crescendo e, no ano passado, a filha Joelma Tarôco, que morava fora, decidiu que era hora de voltar para casa e ajudar os pais. Ela assumiu a gestão administrativa.

“As coisas começaram a fluir muito bem e recebemos medalha de bronze no 11° Concurso Estadual de Queijos Artesanais e no Concurso Nacional Queijo Brasil. Fundamos a Associação do Queijo Minas Artesanal do Campo das Vertentes (AQMAV) e começamos a participar de eventos para divulgar nosso produto e o projeto Colônia Viva”, comemora Joelma.

Liderança e excelência

Como estado líder na produção de leite, com um terço da produção nacional, Minas Gerais tem boa parte do produto destinado à fabricação de derivados diversos, entre eles o Queijo Minas Artesanal (QMA), que agrega valor, conquista prêmios, ganha novo status e mais espaço na gastronomia.

Houve também quebra de barreiras para que o queijo mineiro de leite cru pudesse ser comercializado em outros estados.

Para isso, o Governo do Estado vem realizando nos últimos anos um trabalho mais focado na melhoria do produto. Esse esforço é liderado pela Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), com as suas vinculadas Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) e Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA).

Existem também trabalhos desenvolvidos pelas universidades, com destaque para a Federal de Minas Gerais (UFMG), Federal de Viçosa (UFV) e Federal de Lavras (Ufla), bem como a Estadual de Montes Claros (Unimontes).

O superintendente de Apoio à Agroindústria da Seapa, Gilson Sales, atribui o sucesso do queijo mineiro à legislação estadual avançada, assistência técnica no campo, pesquisa e certificação, além de outras iniciativas governamentais.

“Todo esse processo foi fundamental para valorização do produto dentro do estado e para abertura de novos mercados. Hoje são 12 produtores que vendem para outros estados”, observa Sales, que aposta em crescimento. O superintendente tem formação em Medicina Veterinária e mestrado em Ciência Animal, com ênfase no Queijo Minas Artesanal, pela UFMG.

Para que o queijo mineiro chegasse a mercados como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e estados do Sul, os produtores aderiram ao Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (SISBI), equivalente ao Serviço de Inspeção Federal (SIF).

A coordenadora técnica estadual da Emater, Maria Edinice Rodrigues, pressupõe que o jeito simples e mineiro de produzir o queijo com leite cru tenha pelo menos 300 anos e é legado dos colonizadores portugueses.

A Emater estima que há entre 10 mil e 30 mil propriedades que fabricam queijo em Minas, sendo 270 devidamente inscritos no IMA como produtores do Minas Artesanal. Destes,12 têm autorização para vender o produto a outros estados.

“O principal papel da Emater é a assistência técnica, por meio de orientação e acompanhamento, desde as boas práticas agropecuárias, que compreendem os cuidados com o rebanho, bem como a higiene na ordenha, na fabricação e na finalização do queijo. O produto ganhou mais qualidade, razão pela qual vem sendo reconhecido no estado e fora dele”, explica a coordenadora.

Regiões e o modo de fazer

De acordo com a legislação em vigor é considerado Queijo Minas Artesanal (QMA), aquele fabricado com o leite cru da mesma propriedade, obedecendo às condições impostas. Atualmente, o reconhecimento legal pelo IMA abrange 85 municípios de sete regiões: Araxá, Campo das Vertentes, Canastra, Cerrado, Serra do Salitre, Serro e Triângulo.

Maria Edinice, da Emater-MG, diz que o modo de fazer é igual em todas as regiões, com a utilização do coalho industrial, do pingo – soro que escorre no segundo dia de fabricação do queijo e adicionado ao leite do dia seguinte. Isso facilita o processo de maturação do queijo, mas o tempo varia de acordo com a região.

No estudo do superintendente da Seapa e pesquisador Gilson Sales, Araxá conseguiu o tempo mais curto: 14 dias. Outros pesquisadores desenvolveram suas pesquisas e chegaram aos seguintes resultados: Serro, 17 dias, e nas demais regiões, 22 dias.

“O tempo serve para acentuar o sabor de cada região e estabilizar a carga microbiana. A diferença do sabor se dá em razão do ambiente, pastagem e raça do animal”, acrescenta Maria Edinice.

A coordenadora ressalta que a qualidade e o reconhecimento do Queijo Minas Artesanal não chegaram da noite para o dia. Trata-se do resultado de um trabalho contínuo iniciado em 2002, com a Lei 14.185 e a legalização das primeiras queijarias no estado, em 2004. A partir daí, houve evolução dos queijos artesanais, que ainda eram comercializados apenas no estado. Outras leis estaduais foram aprovadas em seguida a fim de modernizar.

Em 2013, houve novo avanço e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) permitiu que os queijos mineiros feitos com leite cru fossem vendidos em outros estados. Em 14 de junho de 2018, mais um importante passo. Foi publicada a Lei 13.680 que altera o comércio de produtos artesanais alimentícios no Brasil, incluindo o queijo artesanal. A intenção é desburocratizar e simplificar a fiscalização.

O texto estabelece a criação do “selo arte” e diz que a fiscalização passará a ser feita pelas vigilâncias sanitárias estaduais. A expectativa dos produtores mineiros é de que haja regulamentação dessa lei o mais depressa possível para que eles não tenham impedimento de ampliar as vendas fora do estado.

Reconhecimento internacional

Com esses estímulos, em 2015, o queijo “Instância Capim Canastra”, de São Roque de Minas, conquistou a primeira medalha de prata no Concurso Mondial du Fromage de Tours, cidade às margens dos rios Loire e Cher, na França.

A conquista foi amplamente divulgada no Brasil e mexeu com os produtores mineiros. Houve ainda investimentos expressivos na valorização da gastronomia pelo Governo do Estado e, consequentemente, o QMA passou a ser um produto mais demandado.

Em 2017, novos queijos foram levados à França para disputar o concurso, na mesma categoria – “massa prensada não cozida de leite cru de vaca”. Ao todo, o concurso atraiu 23 países de todos os continentes.

O produto mineiro voltou a brilhar em solo europeu, desta vez com mais intensidade, ampliando para 11 medalhas, trazendo inclusive a Super Ouro para o município de Sacramento, com o Queijo Araxá da Fazenda Caxambu.

Panorama do queijo mineiro

De acordo com o superintendente de Apoio à Agroindústria, Gilson Sales, Minas Gerais está na vanguarda, por meio da legislação e pelo o que o serviço público estadual oferece ao produtor, por meio da Seapa e suas vinculadas. “Nos últimos quatro anos, algumas ações do Governo mineiro incrementaram ainda mais a produção e a qualidade do queijo”, assegura.

São elas:

– Convênio com o Mapa, no valor de R$ 1,1 milhão, para investimento na cadeia produtiva;

– Liberação de R$ 1 milhão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) para pesquisas específicas;

– Plano de ação para aumentar o número de produtos regularizados;

– Eventos de valorização, como o 3º Simpósio de Queijos Artesanais do Brasil, que teve a participação da maioria dos estados brasileiros e especialistas portugueses;

– Cooperação técnica com a Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais (Ocemg) para análise do queijo e da água.

Outra iniciativa do Governo do Estado refere-se ao projeto de Lei 4.631, em tramitação na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, que contempla todos os queijos artesanais fabricados com leite cru de outros animais, além do bovino. “É necessário que trabalhemos para aumentar o número de produtores regularizados, por isso temos assistência técnica, orientação, educação sanitária e políticas públicas”, salienta Sales.

A proposta tem o objetivo de permitir a inovação, desde que haja pesquisas comprovando a segurança alimentar, como a utilização de fungos na produção e maturação em ambiente subterrâneo, resguardando a tradição e impedindo contaminação.

“Quanto ao Queijo Minas Artesanal, é um alimento saudável, com particularidades e um conjunto de micro-organismos probióticos que trazem benefícios à saúde. As premiações do queijo mineiro fora do Brasil trouxeram maior valorização no mercado interno com mais espaço na gastronomia”, afirma o superintendente da Seapa.

O Certifica Minas, criado pela Lei 22.926, de 2018, é outra iniciativa do Governo do Estado para valorizar a cadeia produtiva. Trata-se de um programa de certificação de produtos agropecuários e agroindustriais, entre eles o Queijo Minas Artesanal.

Antes dessa lei, os produtos eram apenas regularizados junto ao IMA. A certificação agrega, aumenta a confiança do consumidor e observa rigorosamente questões sanitárias, ambientais, trabalhistas e sociais, com foco na sustentabilidade.

Agência Minas

Comentários